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11/06/2018ㅤ Publicado às 11:08

A história do conjunto habitacional dos “Redondinhos”, em Heliópolis, São Paulo, começou com uma fala mal interpretada de Ruy Ohtake. Em 2003, uma revista publicou a seguinte declaração atribuída ao prestigiado arquiteto e urbanista: “O que acho mais feio em São Paulo é Heliópolis”. Depois de ver a reportagem, Ohtake esclareceu que a intenção foi dizer que o mais feio na cidade era a diferença entre bairros ricos e pobres – “a diferença entre o bairro do Morumbi e Heliópolis, a maior favela”, corrigiu.

Na semana seguinte, uma provocação mudou o curso previsível da história: João Miranda, líder comunitário em Heliópolis, ligou para Ohtake. Em vez de exigir explicações, pediu ao profissional que ajudasse o lugar a ficar mais bonito. Conhecido por obras como os hotéis Unique e Renaissance e o Instituto Tomie Ohtake, dedicado à obra de sua mãe, Ruy se viu diante de um desafio até então inédito na carreira – a “Arquitetura real”, como ele chama.

Ruy Ohtake falou sobre experiência em Heliópolis durante palestra em Brasília

Ruy Ohtake falou a respeito de trabalhos em Heliópolis durante palestra em Brasília (Foto: Karina Santiago/Centro Cultural do TCU)

A história foi narrada pelo arquiteto e urbanista em uma palestra em Brasília, no dia 6 de junho, realizada pelo Centro Cultural do TCU com o apoio do CAU/BR (saiba mais aqui). Assista ao trecho em que Ruy Ohtake fala sobre o assunto, registrado por Emerson do Nascimento, conselheiro federal pelo Maranhão:

A interação foi o ponto de partida para uma empreitada prolongada junto à comunidade, que envolveu vários projetos. Os principais foram um conjunto habitacional e o Pólo Educativo e Cultural de Heliópolis, que inclui uma biblioteca pública, um centro cultural com cinema e galeria e espaço para feira de produtos artesanais, além de uma escola técnica.

Ruy Ohtake concebeu e coordenou os trabalhos de forma voluntária, com a colaboração da arquiteta Daniela Della Volpe e o apoio da União dos Núcleos e Associações de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (Unas) e da Prefeitura de São Paulo

Redondinhos

Localização da favela de Heliópolis, em São Paulo, e croqui do conjunto habitacional dos "Redondinhos"

Localização da favela de Heliópolis, em São Paulo, e croqui do conjunto habitacional dos “Redondinhos” (Imagem: RuyOhtake.com.br)

A obra de maior porte projetada para a comunidade foi o conjunto habitacional com os prédios cilíndricos, conhecidos como “Redondinhos”. De acordo com Ohtake, o projeto foi elaborado a partir de conversas feitas pessoalmente com os moradores de Heliópolis e considerando as preocupações que eles levantavam. A primeira delas foi com relação a corredores – em conjuntos habitacionais já entregues, eles viraram espaço para comércio, tráfico e drogas e prostituição. “Falaram: Ruy, a gente não sabe viver em apartamento. Vai ocorrer isso”, conta o arquiteto e urbanista.

Considerando essa preocupação, Ohtake projetou o edifício sem corredores. “Com circulação de escada e hall de 5 por 5, com as quatro entradas dos apartamentos”, explica. “Os caras falaram: puxa, que solução linda, tá ótimo, vamos pra frente. Aí eu falei: não estou satisfeito, porque essa forma não tem graça nenhuma. Eu vou fazer redondo”.

Planta de andar de um dos "Redondinhos"

Planta de andar de um dos “Redondinhos” (Projeto: Ruy Ohtake)

A escolha da forma cilíndrica, que se tornou um marco dos edifícios, não foi meramente estética. “No redondo, primeiro, se eu tenho dois prédios, não encostam um no outro, precisa deixar separado. Ao separar, eu dou dignidade para os quatro apartamentos: sol direto, ventilação direta etc. E na sala, eu consigo por três janelas, uma luz bem boa”.

São 19 “redondinhos” com fachadas coloridas, nas bordas do lote. No centro, ficam parquinho, quadra esportiva e um espaço de uso comunitário. Cada edifício tem quatro andares e 18 apartamentos de aproximadamente 50 m², totalizando 342 unidades. Os blocos têm quatro apartamentos em cada um dos quatro andares. Há ainda dois apartamentos no térreo, que abrigam idosos ou pessoas com deficiência.

Interior de um dos apartamentos: sala tem três janelas

Interior de um dos apartamentos: sala tem três janelas (Foto: Daniel Ducci/Divulgação)

Papel do Profissional na Arquitetura Social

Para Ohtake, o papel do arquiteto e urbanista é múltiplo ao atuar em Arquitetura Social. “Quando atua em programas sociais, o arquiteto tem que assumir duas atitudes: como técnico e como cidadão. É fundamental conversar com a comunidade, sentir o que os moradores pensam, não se fechar em um escritório para projetar de forma isolada”.

O resultado disso, segundo o arquiteto, é dar dignidade às pessoas da comunidade –coisa que não ocorreu na maior parte dos conjuntos do programa “Minha Casa, Minha Vida”, critica. “Foi um desastre. Parece uma plantação de alface, tudo igual. Apenas as empreiteiras ficaram satisfeitas, pois foram contratadas para fazer os projetos e as obras numa empreitada só”.

Parte central do conjunto habitacional tem equipamentos públicos

Parte central do conjunto habitacional tem equipamentos públicos (Foto: Daniel Ducci/Divulgação)

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Programa Ação – Unas e Ruy Ohtake

Arq!Bacana faz passeio pelos “Redondinhos” com Ruy Ohtake

Série Especial de Reportagens

Esta reportagem faz parte de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias de baixa renda.

Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para habitacaosocial@caubr.gov.br falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações. Se sua história for selecionada, o CAU entrará em contato para produzir uma reportagem especial sobre os projetos.

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(Foto do topo: Vista aérea do conjunto dos “Redondinhos”, em Heliópolis, São Paulo. Projeto de Ruy Ohtake. Foto de Daniel Ducci)


Por Emerson Fonseca Fraga, Jornalista do CAU/BR

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