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14/08/2014ㅤ Publicado às 15:20

Os arquitetos podem ser úteis a muita gente, não apenas aos ricos. A frase é do vencedor do prêmio Pritzker – 2014, o arquiteto japonês Shigero Ban, e figura em uma das primeiras páginas do Trabalho Final de Graduação do estudante brasileiro Erick Welson Basílio Mendonça. Atualmente, ele cursa a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília – FAU/UnB.

Em seu ensaio teórico intitulado “Arquitetura onde ela também precisa estar”, Erick Welson apresenta um estudo feito sobre o grau de implementação da Lei de Assistência Técnica n° 11.888, publicada em 24 de dezembro de 2008. A legislação prevê a garantia de assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Em outras palavras, trata do direito ao acesso gratuito à Arquitetura pela população de baixa renda (até três salários mínimos).

Seis anos se passaram após a publicação da referida lei. Entretanto, o estudante constatou que houve pouco avanço com relação à sua aplicação na prática. Em seu estudo acadêmico, Erick Welson justifica a morosidade a dois fatores: desconhecimento da legislação por parte da população carente beneficiária e a falta de incentivo do meio acadêmico na formação de profissionais com esse perfil urbano-social para atender às demandas do setor. “A aplicação da lei traz a importância de uma mudança cultural que abrange desde a formação do arquiteto até a sua atuação no mercado de trabalho. No entanto, a legislação ainda não surtiu o efeito esperado, que é o de contemplar a população de baixa renda com serviços gratuitos prestados por arquitetos. A Lei aprovada ainda não atingiu um formato passível de multiplicação em função de diversas dificuldades operacionais”, afirmou Erick.

A professora da FAU/UnB e orientadora do trabalho do estudante, a arquiteta Dra. Maria do Carmo de Lima Bezerra, cita alguns desses entraves. “O Estado ainda não assumiu a função de garantir a assistência técnica prevista na lei. As escolas de Arquitetura também têm pouco interesse em formar um profissional para esse nicho de mercado. O maior motor gerador de mudanças seria a divulgação e a disseminação da lei para a população carente, que precisa ter conhecimento de seus direitos para que comece a cobrar das prefeituras a sua aplicação”, acredita Maria do Carmo.

Do ponto de vista acadêmico, Erick Welson constatou em sua pesquisa de campo que ainda há muito a ser mudado, a começar pelo foco dado à formação do arquiteto. Tendo como objeto de análise a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília – FAU/UnB, o estudante verificou que a carga horária das disciplinas obrigatórias dedicadas às matérias de Infraestrutura Urbana e Planejamento Urbano é de 90 horas contra 360 horas voltadas à História da Arquitetura e da Arte. “São priorizadas experiências já vividas e apreciadas. Se fala muito pouco da realidade eminente e da busca de soluções para problemas presentes, como a falta de saneamento básico e a precariedade das habitações de mais de 13 milhões de brasileiros, de acordo com dados do IBGE”, analisou o graduando.

Apesar de boa parte dos alunos demonstrar interesse e preocupação com a questão social e com temas de responsabilidade profissional, o direcionamento curricular dado pelos centros universitários gera reflexos negativos no mercado de trabalho. Foi o que confirmou o Censo publicado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) em 2013, o qual traçou o perfil dos profissionais da área.

A pesquisa apontou que, em um universo de 100 mil arquitetos, apenas quatro mil (3,99%) atuam na organização do espaço social por meio do planejamento urbano. A maior parte está concentrada em áreas como a concepção de projetos (34%), execução de projetos (16%) e arquitetura de interiores (15%). “É um número pequeno em planejamento urbano, se pensarmos que o Brasil possui 5.564 municípios. Não há como ter um arquiteto por cada prefeitura”, criticou Erick.

Arquiteto Social – Apesar de tantos programas de subsídios à habitação social em andamento no país, ainda existe a carência do profissional que o estudante convencionou chamar de arquiteto social. “A longo prazo, o desafio maior é o legado cultural. É educar a população para o entendimento da necessidade imprescindível do planejamento feito por um profissional com capacidade técnica, antevendo qualquer construção. E, por outro lado, é investir no profissional com o ‘projetar mais humano’, dedicado a atender as necessidades das famílias de baixa renda, considerando as particularidades de cada situação a ser trabalhada”, defendeu.

Segundo Erick Welson, a aplicabilidade da assistência técnica exige papeis diferentes a cada agente envolvido. Ao cidadão, “cabe conhecer e exigir; cobrar a inclusão dos programas de assistência no orçamento participativo”, por exemplo. Quanto às prefeituras, estas devem basicamente “implantar e fiscalizar” tais programas.

Os arquitetos, por sua vez, devem “conhecer e aplicar a assistência técnica por meio da observância das normas e leis balizadoras”. Já às entidades de classe, conselhos e sindicatos cabe “representar e fiscalizar, mediante ações como a participação nas seleções dos profissionais contratados, bem como oferecer formas de capacitação profissional em assistência técnica”. Por fim, aos Estados e à União, cabe “garantir e implantar programas e ações que promovam o acesso à assistência técnica por parte do cidadão”.

“O governo federal ainda não efetivou o interesse em implementar e divulgar uma campanha junto às prefeituras e aos municípios do país, pois esses têm que ter conhecimento da lei”, analisa a presidente do Sindicato dos Arquitetos de Brasília (Sinarq-DF), Elza Kunze. E a arquiteta complementa: “existe também um forte lobby das construtoras, pois querem ser produtoras de imóveis, mesmo que seja de baixa qualidade.”.

Iniciativas que deram certo – Na verdade, o processo de desenvolvimento das cidades no país sempre foi marcado pelo crescimento desordenado, o que culminou em problemas que comprometem a qualidade de vida nos centros urbanos, até os dias atuais. “Além disso, o Estado relegou a habitação popular às soluções a serem dadas pelas próprias famílias, seja em relação a seu financiamento, arquitetura, autoconstrução e localização na malha urbana, esta última gerando o desordenamento urbano”, justificou Erick Welson.

Como consequência, há a proliferação de ocupações irregulares, como as favelas, que são o grande exemplo de comprometimento da segurança das edificações e do meio ambiente. Na contramão, existem iniciativas já implementadas com sucesso. É o caso do projeto Construção Assistida, realizado em Fortaleza (CE), em 2007. Este programa atendeu 180 casos de melhoria habitacional através de um modelo de disponibilização de microcrédito e assistência técnica.

Outro caso citado pelo estudante Erick Welson em seu trabalho final de graduação são os Postos de Orientação Urbanística e Social (Pouso), criados pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2005 e em funcionamento até hoje. No total, foram criados 30 postos que atenderam 64 comunidades cariocas carentes, que desenvolvem ações de orientação social, regularização urbanística e fiscalização, além de assistência técnica de arquitetos, principalmente na elaboração de projetos de casas mais salubres, seguras e regulares”, apontou o estudante.

“Em que pese os impasses e sucessos existentes, a perspectiva para a aplicabilidade da Lei de Assistência Técnica n° 11.888 é positiva, podendo agir, inclusive, como uma injeção de ânimo no campo da prática profissional. E o Conselho de Arquitetura e Urbanismo representa uma força capaz de promover o debate, o estímulo, a conscientização profissional e cidadã no que tange à assistência técnica e a relevância do projeto arquitetônico como instrumento de planejamento prévio fundamental”, finalizou.  

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